Como você reage quando percebe que tem uma câmera apontada para você?

É você mesmo quem será congelado ali ou um personagem seu, preparado para aquele momento?

Daphne Blaskoski
4 min readApr 4, 2017

Trabalho com fotografia há uns 5 anos e, na maior parte do tempo, fotografei eventos e palestras. Ou seja, muito público! E sempre foi muito engraçado fotografar pessoas interagindo em um ambiente aberto, porque nós mudamos muito quando vemos uma objetiva (ou lente, para os leigos) na nossa direção: deixamos de interagir naturalmente, mexemos no cabelo, sorrimos um sorriso estranho (que nunca é tão bonito quanto aquele verdadeiro, acreditem em mim) ou fazemos uma pose diferente. Já vi gente arrumar a postura, limpar os dentes, abraçar alguém… E muitas vezes essa pessoa nem estava enquadrada na foto (que dó!), bastou ver a câmera para mudar a situação atual.

Foto: Do it! por daph.com.br

Agora pense: quantas vezes você já fez isso? Quantas vezes você mudou quem você era para parecer um pouquinho mais legal, bonito(a) ou interessante na foto?

Nas férias comecei a ler um livro que fala da fotografia por um lado filosófico — A Camâra Clara, do Roland Barthes — e um capítulo me chamou muita atenção por explicar que existe o quem eu sou e o eu sendo fotografado. Percebo que o eu sendo fotografado é quem eu quero que os outros pensem que eu sou, não quem eu sou de verdade.

Foto: Parte da capa do livro A Câmara Clara

Por exemplo, eu posso ter uma escoliose, que me faz parecer um pouquinho inclinada pra esquerda, mas não quero que os outros percebam, então eu me inclino pra direita, pra ficar tudo alinhadinho. Ou sabe aquela tia mais fofinha que coloca o sobrinho na frente pra esconder a barriga? Não sou eu, mas como eu quero que me vejam, ou até mesmo como eu queria ser. Visto uma máscara ou fantasia por cima. Crio um personagem de mim mesma.

“ Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente em outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem.” Roland Barthes

E não tem problema eu me reinventar, o problema está em não ser eu mesma. Por que eu preciso criar um personagem de mim, mais equilibrado, sorridente ou sério? Por que eu não me mostro como eu sou?

Por isso, eu prefiro fotografar crianças. Teste puxar uma câmera enquanto interagem em um ambiente aberto. Elas normalmente não se importam se você está com a câmera em cima delas enquanto dão cambalhotas ou choram sem parar, elas simplesmente continuam sendo quem são. Na verdade, elas nem querem saber o que você está fazendo com aquela câmera, para onde está mirando, porque o que elas estão fazendo é simplesmente tão mais legal ou importante do que fazer uma pose, sabe!?

Crianças não sorriem quando não querem, não posam pra fotos quando não querem. E nesse momento, você pode ser duas pessoas: a tia que fica chamando a criança sem parar, pedindo para dar um sorrisinho (e criando naquela criança, sem perceber, a cultura do personagem do eu sendo fotografado), ou a tia que deixa que seja e aproveita as risadas e caretas pra fazer registros incríveis.

Foto: 1º aninho da Luisa por daph.com.br

Se você leu até aqui e mudou de ideia, quer ser a segunda opção, saiba que é uma tarefa árdua e divertidíssima correr atrás delas, porque quando se encantam com algo ou caem na gargalhada, são os melhores registros que você terá! Até mesmo uma carinha de medo ou choro dá vontade de apertar.

Mas o que tu e as crianças têm a ver? Absolutamente TUDO!

Começando por: você precisa ser mais criança se, quando está fazendo algo e alguém tenta te fotografar, posa pra foto. Ou seja, você precisa “se danar” para o que os outros vão pensar, aceitar-se mais, ser mais quem você é.

Deixe que te fotografem como você está, acordando com o cabelo bagunçado, bocejando, admirando-se com algo incrível ou gargalhando de uma piada boba. Os melhores registros que eu tenho foram feitos sem que o fotografado percebesse. Porque quando ele percebe, ele arruma o sorriso, e já não vai parecer mais tão real, sabe!?

Foto: Do it! por daph.com.br

Te desafio a lembrar disso da próxima vez que uma objetiva estiver apontada na tua direção.

Depois aprecia a foto, enxerga como você é e como incrível você é sem máscaras ou fantasias. Depois me conta como foi! ;)

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